domingo, 19 de setembro de 2010

Em tom de "Reflexão"... by Paulo Alves

A Caminho de Santiago de Compostela em bicicleta ou como ficar com uma história para toda a vida...

... Apesar de pomposo, o título deste pequeno texto é redutor. Redutor porque foram tantas as sensações, foram tantas as emoções, foram tantas as alegrias que - mesmo passados todos estes dias - ainda me encontro numa encruzilhada emocional quando o meu pensamento relembra esta Aventura. E escrevo com maiúscula Aventura pois foi disso mesmo que se tratou. Os 4 dias foram o culminar de muitos mais em que - desde Julho de 2009 - se tratou de construir esta realidade. Ora bem, os amigos João Valente e Fernando Micaelo lançaram-nos o desafio de escrever algo mais pessoal acerca desta Aventura:

"O que foi para vós o Caminho? O que vos fez pensar? O que sentiram ao chegar à Catedral? Sei lá... partilhem um pouco do vosso sentir!" Mas antes, escolher apenas "A" foto entre algumas 1000 que tirei, e que essa foto represente um pouco aquilo que foi a Aventura é também um desafio. Após ver, olhar, observar, relembrar... escolhi esta:
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Para mim, o Caminho foi partilhar.

Partilhar emoções.

Uma gargalhada, uma situação caricata, subir a Labruja e todas as Labrujinhas, descer algumas escadas e muitos trilhos, sofrer com o sofrimento do próximo.

Partilhar a mesa. Nada melhor que um grupo de amigos à volta de uma mesa bem recheada e falar sobre as Aventuras.

Partilhar pequenos nadas. Trocar olhares cúmplices - sem dizer uma palavra - como que a dizer "Cá estamos, é real, estamos no Caminho!"

Partilhar a solidão. Apesar de irmos em grupo, por vezes dava por mim a pensar na solidão interior. À nossa volta vão mais 11 pessoas a pedalar e estamos ali, no grupo, sós com os nossos pensamentos. Acredito que - por vezes - muitos de nós tenhamos passado por este estado.

O Caminho fez-me pensar a sorte que temos em ter um grupo assim. Amigos assim. O Caminho fez-me pensar nos milhares de Peregrinos que já passaram pelo Caminho e nos milhares que ainda irão passar. Cada um com a sua vontade e motivação própria. O Caminho fez-me pensar em voltar ao Caminho.

O chegar à Plaza do Obradoiro foi o culminar de mais de um ano de troca de 4.839.256 e-mail´s e 12.039.165 de tentativas para reunir o pessoal antes de dia 3 de Agosto de 2010. Agora mais a sério, quem lá esteve acho que sentiu uma emoção muito forte. Eu senti. Ao chegar lá, ao nosso destino, significava que tínhamos cumprido o nosso objectivo mas - por outro lado - significava o fim desta Aventura.

Os 4 dias que passámos vão ficar para sempre na minha memória.
ULTREIA...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Em tom de "Reflexão"... by Teresa Martins

Não é fácil descrever o que significou para mim percorrer a Via Lusitana (Caminho Português) até Santiago de Compostela. Tratou-se de uma experiência única, que quero repetir, algo que dificilmente se consegue num grupo de doze pessoas, e nós conseguimo-lo.

Vivi e senti cada momento, diverti-me imenso e ri com aqueles a quem decidi juntar-me, desfrutei da sua companhia o máximo que pude e consegui. Experimentei uma sensação de liberdade única que o Caminho me proporcionou, esqueci as futilidades que nos rodeiam no dia-a-dia, desvalorizei os pontos fracos e valorizei os pontos fortes de todos nós, pois entre o grupo, formávamos um todo.

Amei a Labruja. Estar sentada na Cruz dos Franceses, rodeada por um pedacinho da vida de tantos outros que por lá tinham passado, fez-me sentir parte integrante de todos eles, mesmo não os conhecendo. Adorei termos conquistado em conjunto aquela que diziam ser a mais terrível conquista, a subida da Labruja, e gozei de toda a descontracção que aquele momento me proporcionou. Talvez por tudo isto, tenha sido este o meu momento favorito naqueles quatro dias.

A chegada a Santiago foi a concretização de um objectivo comum, e fiquei feliz por todos o termos conseguido sem problemas. Gostei da Catedral, belíssima e imponente. No entanto, desagradou-me o lado demasiado comercial que Santiago de Compostela tem, especialmente nesta altura do ano.

Aos meus queridos companheiros, Obrigado. Muito Obrigado pela vossa fantástica companhia e boa disposição: Alziro, Norberto, Mário, João L., Óscar, Carlos, João V., Mike, Roberto, Paulo, Rita e Sr. Cabaço.

Voltaria a repetir o Caminho Português, com o mesmo grupo ou com outro, mas o espírito teria que ser o mesmo: descontracção, boa disposição, respeito pelas diferenças, entreajuda, amizade. Soube a pouco, e voltaria a percorrê-lo como se fosse a primeira vez.

Para aqueles que se atrevam a experimentá-lo, ou voltem a percorrê-lo, apenas lhes desejo: Buen Camino!

Teresa Martins

domingo, 22 de agosto de 2010

4ª Etapa - Pontevedra-Santiago Compostela

Boas a Todos :-)

… E quase sem darmos conta, chegou a última etapa, chegou o dia de irmos ver o Apóstolo, chegou o fim da nossa peregrinação pelo Caminho Português de Santiago! Quem diria que 4 dias passavam assim tão depressa… um ano de planeamento, um ano pleno de esperanças, algumas incertezas, desejos de aventura, vontade de pedalar e anseio de confraternizar ao longo de 4 dias, tinham passado, assim, num ápice… Nem parecia que já estávamos na recta final desta bonita aventura!
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A etapa de hoje, Pontevedra - Santiago de Compostela, marcava a derradeira viagem pelos garbosos caminhos penitentes em busca da Plaza del Obradoiro em Santiago, local místico, de contemplação e oração, ponto de encontro de culturas e credos. E ali estávamos nós, quase, quase, a completar este Caminho Português.

O dia começou cedo no modesto Hostal Peregrino. Como combinado anteriormente hoje efectivamente madrugamos, para que chegássemos cedo a Santiago para termos tempo de sobra para a contemplação e obtenção da famosa Compostela. Às 07h estávamos já todos à mesa para o pequeno-almoço, hoje um pouco mais frugal, pois as acomodações também o eram. Nada que ralasse muito a malta, porque o desejo de fazer e completar o caminho falou sempre mais alto, relegando para segundos planos essas “mariquices”.

Comidos, bebidos e bem vestidos - traje a rigor era hoje obrigatório - leia-se Jersey BTT@Castelo Branco, pois para a visita ao santo queríamos ir todos janotas! Esta malta não faz por menos! Pouco a pouco lá fomos perfilando à porta do Hostal, enquanto se arrastavam as bikes das catacumbas, começando o frenesim matinal de limpar bikes, olear correntes, atestar bidons, encher pneus e um sem número de coisas necessárias para que o percorrer desta última etapa, fosse coroada de sucesso sem avarias ou quedas. E hoje tínhamos uma surpresa! Uma bike lavadinha a contrastar com as nossas empoeiradas “meninas” e um parceiro que no último dia decidiu mostrar toda a sua garra pedalante - o Mário!

A saída fez-se pela Rua da Virxen del Camino (Virgem no Caminho? Outra vez? Onde é que eu já vi isto?) direitos à Capela da Virgen Peregrina, por entre as ruas ainda ensonadas pelo matutino da hora, tanto que chegados à capela, esta ainda estava encerrada. Como o Norberto voltou atrás para ir buscar um “esquecimento” fizemos um compasso de espera na Praça da Peregrina, dando tempo para que a zeladora da igreja chegasse e nos carimbasse as credenciais. E a espera valeu bem a pena! A capela é lindíssima, e o carimbo também, recebendo ainda toda a malta uma imagem com a “oracion” à “La Divina Peregrina”, que acabou por fazer parte integrante das nossas credenciais até ao fim.

Efectuada a foto de grupo do dia, seguimos em direcção à Puente del Burgo, onde cruzamos o Rio Lérez. Seguíamos agora por caminhos suburbanos, a maioria em alcatrão, sempre em ligeira subida e paralelos à linha férrea, ainda bastante à sombra pois o sol ainda mal tinha despontado. Contudo o Caminho estava repleto de caminheiros, que aproveitavam a frescura da manhã para fazer a maior parte do percurso, dando um colorido à paisagem e um som de fundo de algazarra, contrastante com os “silêncios” da Mãe Natureza dos dias anteriores.

Santa Maria de Alba e San Caetano são alguns dos monumentos religiosos que connosco se cruzaram, enquanto entravamos nos primeiros trilhos de terra do dia, por entre um bosque frondoso, onde o caminho estreitava e surgiam muitos e intermitentes regatos de água, óptimos para borrar as nossas “meninas” de lama, sempre, sempre em subida, aqui e ali mais exigente e técnica. Nada que a gente não faça com gosto, sempre com o tal sorriso nos lábios, cada vez que as nossas bikes as transponham com sucesso.

Aqui, eram muitos os caminheiros, de variadas nacionalidades, todos com um “Buen Camino” sempre pronto a saltar dos lábios, cada vez que connosco se cruzavam… éramos todos perfeitos estranhos, mas o objectivo comum une as pessoas, incentiva-nos, faz-nos conviver. Foi bom ver e compartilhar com toda aquela gente, a beleza e mística do Caminho!

Cruzada a linha férrea fizemos um compasso de espera para reunir toda a malta pois a pendente continuava a subir até San Mauro, onde numa zona de descanso, aproveitamos para vitaminar e tomar uma cafezada que o corpinho já pedia.

Em San Mamede de Portela cruzamo-nos com um bonito cruzeiro, enquanto ao longe brilhava San Antonino - Barro, com a N550 a seus pés, plena de movimento automóvel. Por entre caminhos alcatroados versus trilhos por campos de cultivo, chegamos ao primeiro cruzamento com a movimentada N550, na zona de Monllo, onde esperamos pela CDC, pois a Rita decidiu apanhar boleia e fazer companhia ao amigo AC, até Santiago.

Cruzada a perigosa N550, passamos pela Capela de Santa Lucia, passando a malta novamente a pedalar por caminhos agrícolas, entre muita vinha e outras culturas e claro, mais peregrinos a pé, em que um dos quais se evidenciou pela negativa ao derrubar propositadamente as pedrinhas acumuladas num marco, enfurecendo a malta, com o Roberto à cabeça… Que caminheiro mais totó!

Aproximávamo-nos agora de Caldas de Reyes, passando primeiro pelo cruzeiro de Tibo e depois por bonitas paisagens sobranceiras ao Rio Chain, entrando por fim na cidade onde percorremos algumas ruas de traça antiga, visitando o Posto da Guarda Civil (e aquela placa que dizia “Puta do Viño”?!…), a Policia Local, o Ayuntamento e a bonita igreja de Santo Tomas onde recolhemos mais uns quantos carimbos.

A saída de Caldas de Reyes faz-se por um bonito vale rico cheio de vegetação, sempre lado a lado com o rio que lhe dá o nome, o Bermaña, por trilhos muito bonitos, ligeiramente a subir, passando depois pelo bem cuidado santuário de Santa Mariña de Carracedo, sem antes termos feito uma pequena paragem num dos “cafés recomendados” em Campo, onde o Alziro não resistiu e, literalmente, engoliu um “bocadillo de jamon serrano” maior que o seu camel-bag! Ainda dizem que eu é que sou o gajo doido por sandochas… este “moço” consegue-me ganhar!

Continuavamos agora pela mesma paisagem de floresta, quase lado a lado com a Autocarretera A9, surgindo pouco depois uma descida daquelas que a malta gosta, que desembocou numa paisagem de floresta extremamente frondosa, verdejante, com um rio a “cantar” lá em baixo - o Valga, com alguns moinhos antigos nas suas margens - muito, muito bonito! Estes trilhos galegos são fabulosos!

Numa ponte de madeira que cruza este rio acabaríamos por encontrar o primeiro dos dispositivos da Proteccion Civil para apoio aos peregrinos, à semelhança do que vemos em Portugal nos caminhos de Fátima - Saia de lá mais um carimbo s.f.f, continuando agora a malta a pedalar por uma zona novamente a subir, cruzando as localidades de San Miguel de Valga, Infesta, San Xulian e Pontecesures.

Atravessada a Ponte sobre o rio Ulla em Pontecesures, aproximávamo-nos agora de Padron, com outro rio a nosso lado, o Sar, bonito e limpinho, cheio de peixes e patos, convidando-nos quase a entrar nas suas águas frias, pois aquela hora, em cima do almoço, já o calor apertava.

Já em Padron, no “Campo da Feria” encontramos um curioso monumento, com umas enormes bolas de granito, lado a lado, que logo alguém imaginou que deviam fazer parte dum incompleto monumento ao símbolo fálico masculino….ehehehhehe! Aquilo é que foi fotografar!

Encontrado o local ideal para o repasto, sempre a cargo dos manos Lozoya - em Roma, sê romano, perdão, em Espanha, sê espanhol! - sentamo-nos numa providencial bancada comensal, estrategicamente colocada à sombra dos enormes plátanos, ali, lado a lado com o Convento del Carmen e bem próximos do albergue, onde o Norberto foi buscar mais dois carimbos.

Como já vinha sendo habitual, a bebida foi escolhida magnanimamente por todos – aquela cerveza com limon passou a fazer parte do meu palato para todo o sempre – levezinha, muito fresca e adocicada fez mesmo a delícia da malta. Quanto aos comes deste dia a coisa foi mais à espanhola, optando a malta por seguir quem destas coisas percebe - claro, os Lozoya Brothers! Empanadas, pulpo à galega, mexillones, bocadillos de jamon serrano e queso e os pimentillos fritos, acalentaram os famintos estômagos, tornando-me a mim num apreciador deste tipo de petiscos….acho que era capaz de me habituar a uma vidinha santa destas! Excelente!

Quem é que agora tem vontade de pedalar? O Óscar manteve-se fiel á sua siesta, desta vez num duro banco de jardim granítico e o Alziro… bem o Alziro encostou-se e quase entrou em transe, com a malta a tentar registar o momento em que ele iria cabecear…

Bem… Santiago estava próximo e estava toda a malta com vontade de lá chegar! A saída de Padron fez-se por caminhos suburbanos, a maioria de alcatrão, sempre com a N550 por perto assim como a linha férrea que atravessamos um pouco depois de chegarmos ao Cemitério de Adina, onde os sepulcros rodeiam a antiga igreja, tudo isto no meio da população. Bonito e distinto ao mesmo tempo. Mesmo à porta do cemitério havia uma fonte e logo aproveitamos para atestar os bidons apesar do sabor estranho da água… teria propriedades superas? O Roberto diz que sim… a mim também me manteve hidratado!

A partir daqui iniciamos um trilho misto, sempre em pendente ascendente, com vários cruzamentos, ora sobre a movimentada N550, ora sobre o rio Tinto que nos a acompanhava lado a lado. Ao longo deste trilho é assinalável o périplo por diversas povoações - Romeris, Rueiro, Cambelas, Tarrio, Vilar… marcadas pelo bom estado de conservação dos seus monumentos e símbolos etnográficos, em que destaco os espigueiros, soberbamente reconstruídos.

Chegávamos agora ao Santuário da Nuestra Señora de la Esclavitud, onde são reconhecidas propriedades milagrosas à fonte do seu adro. A malta foi seguindo o trilho, novamente em pendente ascendente, enquanto eu, o Norberto e o Roberto entravamos à procura de mais um carimbo. Que bonita igreja! E ainda tivemos direito a conhecer a sacristia, onde uma enorme parede estava repleta de pequenos frescos antiquíssimos, pintados por anónimos em agradecimento às inúmeras curas milagrosas atribuídas a esta santa. Lindo, Lindo!

Entravamos agora nos derradeiros quilómetros para chegarmos a Santiago, agora por trilhos entre vinhas, mais milho e muita floresta verdejante, sempre, sempre a subir, até que, logo a seguir a Milladoiro, do alto de uma colina, surge a cidade do Apóstolo em todo o seu esplendor, na sua vertente mais moderna, pois o santuário está do lado de lá, mal se visualizando. E aqui, se havia cansaço ou desmoralização, depressa se dissipou. Estávamos quase lá!

Agora era só descer, passar mais uns becos e singles, subir e entrar definitivamente na cidade, lado a lado com os muitos peregrinos que tal como nós, também eles estavam a chegar e com aquele sorriso nos lábios de missão cumprida, penitência consumada, amizade fortalecida!

Progressivamente lá fomos entrando na cidade, embora com as famosas setas/vieiras amarelas a começarem a rarear até um ponto que deixaram de existir causando alguma confusão, para quem como nós não conhece a cidade, pois nem as placas ajudavam. Em Portugal a coisa estava mais bem marcada!

Mas lá demos com a zona antiga, entrando toda aquela malta, esverdeada, bem engalanada com bandeiras portugueses e dorsais azuis, num aglomerado de fazer virar cabeças, embora fossem mais que muitos os peregrinos por ali caminhavam, emprestando um ar colorido e barulhento aquelas ruas antigas cheias de mística.

Pouco depois, entravamos em grupo na esplendorosa Plaza del Obradoiro, onde a Rita nos esperava, para darmos bem no centro da praça, a Peregrinação BTT@Castelo Branco por concluída, com muitos beijos e abraços, lágrimas, comoção, alegria, vibração e inúmeras outras sensações que aqui não consigo descrever, só similares quando chego a Fátima. Foi bom, muito bom mesmo! E ali deitados no meio da praça conseguimos absorver toda aquela energia positiva transmitida por todo aquele lugar, compreendendo finalmente o porquê das peregrinações, o porquê do sofrimento de tantos milhares de pessoas a caminhar ou a pedalar, o porque de fazer quilómetros e quilómetros, dias e noites para ali chegar. Ali sentimo-nos renovados, plenos de alegria indescritível, plenos da força da vida que Alguém nos concedeu.


Registado o momento em inúmeras fotografias era agora tempo de irmos até ao Oficio do Peregrino, onde nos aguardava uma “colla” para obtermos a famosa Compostela que nos atesta como Peregrinos de corpo e alma, ficando as nossas amadas bikes á sombra, à guarda do amigo AC que entretanto a nós se juntou, orientado-nos posteriormente até aos hotéis onde nos esperava um banhinho retemperador.

À noite seguiu-se mais um jantar de família, hoje aumentada pela presença de alguns familiares meus e do JValente, seguindo depois a malta até às animadas ruas em redor do santuário, onde de modo disperso e cada um à sua maneira deu largas à sua comemoração…. Uma noite animada, que ficará nas memórias de cada um!

Dou quase por finda esta reportagem alusiva a esta extraordinária aventura de um grupo de pessoas que acreditou que era possível e se bem o sonhou, melhor o concretizou. Este grupo BTT@Castelo Branco acho que está de parabéns e que este tipo de aventuras deverá continuar.

Normalmente, nesta “altura do campeonato”, é comum fazerem-se reflexões e considerações… Não o vou fazer. Muito se tem dito e escrito nos nossos normais canais de comunicação, mas pessoalmente acho que as reflexões devem ser retrospectivas, prospectivas e sobretudo pessoais. Ponto final! A vida é mesmo assim, plena de pequenas vitórias, algumas derrotas, encruzilhadas e decisões. Cabe a cada um perante os factos passados retirar as suas próprias lições e usá-las na posteridade. Cabe igualmente a cada um não deixar que uma determinada decisão condicione o seu amanhã, ficando a matutar sobre ela. E cabe a cada um, das experiências passadas, crescer como pessoa, sempre a pensar em termos de futuro, porque o Caminho, lembram-se, tinha sempre setas para a frente!

Fica aqui o agradecimento público, meu e do João Valente, em primeiro lugar a todos os nossos companheiros de aventura: AC, Alziro, Carlos, João, Mário, Norberto, Óscar Paulo, Rita, Roberto e Tê - é um prazer e um privilégio ter-vos como amigos! Agradecemos também a todos os nossos familiares, apoiantes conhecidos e anónimos, assim como as diferentes organizações que de alguma forma connosco colaboraram e apoiaram - a Canyon, AG Motosports, Câmara Municipal Castelo Branco, Benfica de Castelo Branco, Reconquista, Agência Lusa, …
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A todos um sincero OBRIGADO!
Venha a próxima!
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

3ª Etapa - Valença-Pontevedra

A pernoita no Hotel Lara em Valença do Minho foi para mim a noite mais restabelecedora de energias! Um hotel muito bom, com bastante qualidade nos quartos e sobretudo camas excelentes! A opinião do grupo pareceu consensual! Uma referência hoteleira a apontar na zona!

Após as 2 primeiras etapas sem grandes manutenções nas bicicletas… e sem avarias, optámos por fazer uma verificação/ manutenção mais profunda antes de dar-mos início ao 3º dia de peregrinação rumo a Santiago de Compostela. Com arraiais montados frente ao Hotel Lara e à fortaleza de Valença… cada um “puxou lustro” à sua menina ao melhor modo! Pressão dos pneus, limpeza rápida de corrente, cassete, roldanas e pedaleiro, óleo lubrificante… e fica pronta para os restantes Km’s!

A fotografia de grupo defronte à Fortaleza de Valença do Minho captada pelo colega Mário, marcava o início do 3º dia… 3ª aventura! 11 pedalantes de novo, com o reintegrar da Rita Katita, restabelecida de força física e anímica (aquela “siesta” do dia anterior conferiu-te poderes divinos!) Ehehehe…

A Fortaleza de Valença juntamente com a Ponte Metálica sobre o Rio Minho marca o fim do território português e o início do Caminho de Santiago por terras galegas. Estávamos na fronteira Portugal - Espanha. Do outro lado da Ponte Metálica entrámos em Tui, é ali que está o Km 0 do Caminho Português em terras de Galiza. Sem dúvida um momento marcante da nossa aventura. Apenas a título de curiosidade, antes de haver ponte os peregrinos atravessavam o rio de barco entre os Cais do Arinho e de Lavacuncas, o que ainda hoje pode ser feito!

Com a entrada em território de “nuestros hermanos” os nossos relógios adiantaram 60 minutos! A hora matutina (8:10) a que tínhamos saído de Valença… revelava-se tardia em território espanhol! Pessoal… sem stress, sem stress, sem stress!!!

Com a passagem da ponte fomos desde logo (bem!!!!!) recebidos pela Guardia Civil ensonada que resmungante entre um espanho-portunhol nos negou o 1º carimbo da Galiza. Boa! Seguimos pelas ruas empedradas e algo tortuosas em vertente ascendente até chegarmos à catedral medieval (Santa Iglesia Catedral de Tui) situada no topo da cidade, com vista previligiada sobre o Rio Minho! Aqui sim… o 1º carimbo galego!

Já com a Catedral de Tui já nas nossas costas, e ainda dentro de muros históricos, passámos pelo túnel do Convento das Clarissas (pjfa a demonstrar toda a eficácia das suspensões de longo curso da sua Canyon), Igreja de Santo Domingo e San Bartolomé.

Em território espanhol encontrámos mais dois tipos de marcação do caminho além das tradicionais setas amarelas: azulejos de fundo azul com vieira amarela (concha de Santiago), e pilares de cimento com a mesma sinaléptica acrescidos de placa indicativa com a quilometragem restante até à Catedral de Santiago de Compostela. Apesar de mais significativas em termos estéticos e simbólicos, fiquei com a noção que o Caminho do lado português se encontrava melhor marcado, dispensando a utilização de tracks GPSr. Já do lado espanhol… os pontos de marcação eram mais espaçados e em pior estado de conservação!

Após Tui, ciclámos por zonas onde abundava a ciclovia em paralelo à estrada N-550, com passagem na Capela de Virxen do Camino (nome curioso!!!), para depois entrar num dos troços mais bonitos do percurso - o Vale do Louro. Bosque frondoso e fresco onde o verde entrecortado pela luminosidade proporciona um misticismo típico do caminho. O som de um pequeno riacho consegue-se ouvir se o silêncio perdurar. Locais de culto, como cruzeiros ou simplesmente pilares de sinalização repletos de pequenas pedras em amontoado foram uma constante daqui até Santiago de Compostela!

Curioso… pensar que durante os 4 dias de pedal pelo Caminho Português de Santiago de Compostela não vi nenhum peregrino ou conjunto de peregrinos em oração… como é habitual nos caminhos de Fátima. Todavia, há quem diga que os caminhos da fé não se ensinam… encontram-se! E no Caminho de Santiago esse encontro com o mundo místico-espiritual é uma experiência constante! Muitos admitem que iniciaram a peregrinação sem objectivos sagrados, acabando por terminar com um olhar diferente sobre o caminho, um olhar quase sempre espiritual ou religioso de encontro sobre si próprio! É começar turista e acabar peregrino!

Mas não nos deixemos dominar pelo romantismo “cego” (!)… a verdade é que o asfalto se sobrepôs ao caminho rural em muitos troços! O cruzamento da Estrada N-550 foi uma constante e tivemos mesmo de seguir o seu troço durante vários km’s, como foi o caso da travessia do Polígono Industrial de Porriño. O elevado tráfego de veículos que circula nesta nacional torna o Caminho perigoso em alguns pontos, especialmente quando circulam grupos numerosos como o nosso!

Pela mesma estrada por onde entrámos em Porriño, saímos agora rumo a Norte com passagem em Mós, Rio Louro, Cabaleiros, Monte Cornedo, Chan das Pipas, e Vilar, a última povoação antes de entrar em Redondela. Ao longo do caminho estabelece-se contacto com muitas pessoas, ouvem-se muitas histórias, partilham-se vivências… é este o fascínio que envolve os Caminhos de Santiago de Compostela! Sentimos que em muitas localidades de passagem o Caminho acaba por ser a salvação/ sustento económico das populações… recebendo diariamente pessoas originárias de todos os cantos do mundo! Quem não se lembra daquele “miminho”… uma cesta de maçãs para saciar o peregrino!

A chegada a Redondela coincidiu com a hora de almoço, pelo que deixámos a escolha nas mãos dos “Hermanos Lozoya”… e que bem fizemos!!! Bem confortados numa esplanada, foi ver o rodízio de pratos passar à nossa frente… Sopa, Pulpo à Gallega, Massada (não sei de quê!), Salmão grelhado, “postres”… tudo bem regado pela suculenta “cerveza con y sin alcohol con limón”!! Que pitéu! Quem tinha agora disposição para voltar a pegar nas companheiras de peregrinação (leia-se bikes!)??? E… parece que vinham aí dificuldades pela frente… e ainda 20Km’s até Pontevedra!!!

Talvez… tenham sido os 20Km’s mais exigentes do dia, no entanto também foram os km’s de maior beleza no percurso: bosques, calçadas de pedra redonda, paisagens floridas por giestas, girassóis, milheirais, pinhais e soutos alternando com vinhas e campos cultivados. Paisagens deslumbrantes… momentos bem passados em grupo! Cada um à sua maneira… e de diferentes maneiras complementámo-nos como grupo… Faço minhas as palavras do Norberto foi bom conviver com o “…pedalar incansável para cima e para baixo do FMike, o humor do Carlos Lozoya, a irreverência do Óscar, o carácter ponderado do Alziro (para não falar naquele "bocadillo de jamón serrano" :), [o olho fotográfico do João Valente], o espírito alegre do João Lavado, a bravura nas escadas e emoção à chegada do Paulo, a constante e alegre companhia do Roberto e o seu estômago sensível, o "be-cool" do Mário e a "coragem da Teresa e Rita por se juntarem a um grupo de homens durante 4 dias. Foi, sem dúvida, um colorido de personalidades que contribuiu para o sucesso global da nossa aventura”! Parece estranho que laços de amizade cresçam de uma forma tão rápida no Caminho! Crescem… por vezes em dias… sentimentos que muitas vezes passamos um vida um busca deles!

Entre Redondela e Pontevedra, tivemos duas subidas consideráveis a vencer. Uma delas mais suave, em asfalto, que nos brindava no seu cume com uma vista esplendorosa sobre a Ria de Vigo durante alguns km’s, a outra mais técnica, com algumas zonas não cicláveis a fazer recordar a Labruja do dia anterior! Esta última apelidámo-la carinhosamente de Labrujinha! Ehehehe…

Seguimos por Arcade, Pontesampaio, Figueirrido, Boullosa, Bértola, com passagem na Ponte sobre o Rio Verdugo, onde as temperaturas cálidas do dia e as apetitosas águas do rio fizeram o Óscar Lozoya parar na “boxe” para uma banhoca retemperadora. Ao que parece houve muita inveja desta atitude (por mim falo)!!... Inveja de peregrino! Ehehehe… A título de curiosidade, Arcade é considerada por muitos a pátria das melhores ostras de Galiza e onde se encontravam muitas das famosas Vieiras (conchas de Santiago), tornando-se hábito dos peregrinos prenderem uma ou mais destas conchas ao capote, ao chapéu ou ao bordão… mais modernamente, às mochilas ou às bicicletas – um símbolo marcante dos caminhos de Santiago.

De salientar que todos nós, peregrinos do BTT@CasteloBranco levávamos connosco uma concha gentilmente oferecida pelo nosso colega Mário. Concha esta, não das praias galegas… mas da nossa costa portuguesa… ali dos lados da Areia Branca. Obrigado Mário! Ainda relativo a conchas, agradecer aqui a gentil oferta dos “Hermanos Lozoya”, que no final desta 3ª etapa ofrendaram a todos nós peregrinos a Vieira (galega) com a respectiva cruz de Santiago… símbolo que levaríamos connosco até à Catedral em Santiago de Compostela. Ufffaaa… que íamos pesados com tanto crustáceo!

Passada a área mais montanhosa da etapa (Labrujinha!) o caminho alarga-se de novo, correndo campos, vinhas e pomares até à periferia de Pontevedra, que se avista já perto, pela multiplicação de casas e agitação urbana. Estávamos na recta final deste dia 3… e a quantidade de peregrinos aumentava significativamente à medida que nos aproximávamos do nosso objectivo final - Praza do Obradoiro - Santiago de Compostela.

Chegámos pelas 18:00 (hora espanhola) ao nosso local de pernoita - Hostal “El Peregrino”, localizado na entrada sul de Pontevedra, bem perto do Albergue El Peregrino, onde efectuámos a fotografia final de etapa, bem como o respectivo carimbo na credencial.

Chegámos com a sensação de missão cumprida, sem baixas e sem avarias, apesar das muitas horas em cima do selim! O tempo era agora de (continuação) da confraternização… à mesa (Restaurante El Peregrino), e do merecido repouso nos macios, profundos, encovados colchões do Hostal. Ainda se lembram daquela cozinha… ops… recepção ou seria… kitchenet! Meu Deus… o que um peregrino tem de aguentar!!!

Amanhã… vamos ter a emoção de chegar à Catedral de Santiago de Compostela! Certamente todos sonhamos com isso esta noite!

Dados da 3ª Etapa:
Valença - Pontevedra
60,19Km’s
Tempo a Pedalar: 4:01:19