Boas a Todos :-)
… E quase sem darmos conta, chegou a última etapa, chegou o dia de irmos ver o Apóstolo, chegou o fim da nossa peregrinação pelo Caminho Português de Santiago! Quem diria que 4 dias passavam assim tão depressa… um ano de planeamento, um ano pleno de esperanças, algumas incertezas, desejos de aventura, vontade de pedalar e anseio de confraternizar ao longo de 4 dias, tinham passado, assim, num ápice… Nem parecia que já estávamos na recta final desta bonita aventura!
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A etapa de hoje, Pontevedra - Santiago de Compostela, marcava a derradeira viagem pelos garbosos caminhos penitentes em busca da Plaza del Obradoiro em Santiago, local místico, de contemplação e oração, ponto de encontro de culturas e credos. E ali estávamos nós, quase, quase, a completar este Caminho Português.

O dia começou cedo no modesto Hostal Peregrino. Como combinado anteriormente hoje efectivamente madrugamos, para que chegássemos cedo a Santiago para termos tempo de sobra para a contemplação e obtenção da famosa Compostela. Às 07h estávamos já todos à mesa para o pequeno-almoço, hoje um pouco mais frugal, pois as acomodações também o eram. Nada que ralasse muito a malta, porque o desejo de fazer e completar o caminho falou sempre mais alto, relegando para segundos planos essas “mariquices”.

Comidos, bebidos e bem vestidos - traje a rigor era hoje obrigatório - leia-se Jersey BTT@Castelo Branco, pois para a visita ao santo queríamos ir todos janotas! Esta malta não faz por menos! Pouco a pouco lá fomos perfilando à porta do Hostal, enquanto se arrastavam as bikes das catacumbas, começando o frenesim matinal de limpar bikes, olear correntes, atestar bidons, encher pneus e um sem número de coisas necessárias para que o percorrer desta última etapa, fosse coroada de sucesso sem avarias ou quedas. E hoje tínhamos uma surpresa! Uma bike lavadinha a contrastar com as nossas empoeiradas “meninas” e um parceiro que no último dia decidiu mostrar toda a sua garra pedalante - o Mário!

A saída fez-se pela Rua da Virxen del Camino (Virgem no Caminho? Outra vez? Onde é que eu já vi isto?) direitos à Capela da Virgen Peregrina, por entre as ruas ainda ensonadas pelo matutino da hora, tanto que chegados à capela, esta ainda estava encerrada. Como o Norberto voltou atrás para ir buscar um “esquecimento” fizemos um compasso de espera na Praça da Peregrina, dando tempo para que a zeladora da igreja chegasse e nos carimbasse as credenciais. E a espera valeu bem a pena! A capela é lindíssima, e o carimbo também, recebendo ainda toda a malta uma imagem com a “oracion” à “La Divina Peregrina”, que acabou por fazer parte integrante das nossas credenciais até ao fim.

Efectuada a foto de grupo do dia, seguimos em direcção à Puente del Burgo, onde cruzamos o Rio Lérez. Seguíamos agora por caminhos suburbanos, a maioria em alcatrão, sempre em ligeira subida e paralelos à linha férrea, ainda bastante à sombra pois o sol ainda mal tinha despontado. Contudo o Caminho estava repleto de caminheiros, que aproveitavam a frescura da manhã para fazer a maior parte do percurso, dando um colorido à paisagem e um som de fundo de algazarra, contrastante com os “silêncios” da Mãe Natureza dos dias anteriores.

Santa Maria de Alba e San Caetano são alguns dos monumentos religiosos que connosco se cruzaram, enquanto entravamos nos primeiros trilhos de terra do dia, por entre um bosque frondoso, onde o caminho estreitava e surgiam muitos e intermitentes regatos de água, óptimos para borrar as nossas “meninas” de lama, sempre, sempre em subida, aqui e ali mais exigente e técnica. Nada que a gente não faça com gosto, sempre com o tal sorriso nos lábios, cada vez que as nossas bikes as transponham com sucesso.

Aqui, eram muitos os caminheiros, de variadas nacionalidades, todos com um “Buen Camino” sempre pronto a saltar dos lábios, cada vez que connosco se cruzavam… éramos todos perfeitos estranhos, mas o objectivo comum une as pessoas, incentiva-nos, faz-nos conviver. Foi bom ver e compartilhar com toda aquela gente, a beleza e mística do Caminho!

Cruzada a linha férrea fizemos um compasso de espera para reunir toda a malta pois a pendente continuava a subir até San Mauro, onde numa zona de descanso, aproveitamos para vitaminar e tomar uma cafezada que o corpinho já pedia.

Em San Mamede de Portela cruzamo-nos com um bonito cruzeiro, enquanto ao longe brilhava San Antonino - Barro, com a N550 a seus pés, plena de movimento automóvel. Por entre caminhos alcatroados versus trilhos por campos de cultivo, chegamos ao primeiro cruzamento com a movimentada N550, na zona de Monllo, onde esperamos pela CDC, pois a Rita decidiu apanhar boleia e fazer companhia ao amigo AC, até Santiago.

Cruzada a perigosa N550, passamos pela Capela de Santa Lucia, passando a malta novamente a pedalar por caminhos agrícolas, entre muita vinha e outras culturas e claro, mais peregrinos a pé, em que um dos quais se evidenciou pela negativa ao derrubar propositadamente as pedrinhas acumuladas num marco, enfurecendo a malta, com o Roberto à cabeça… Que caminheiro mais totó!

Aproximávamo-nos agora de Caldas de Reyes, passando primeiro pelo cruzeiro de Tibo e depois por bonitas paisagens sobranceiras ao Rio Chain, entrando por fim na cidade onde percorremos algumas ruas de traça antiga, visitando o Posto da Guarda Civil (e aquela placa que dizia “Puta do Viño”?!…), a Policia Local, o Ayuntamento e a bonita igreja de Santo Tomas onde recolhemos mais uns quantos carimbos.

A saída de Caldas de Reyes faz-se por um bonito vale rico cheio de vegetação, sempre lado a lado com o rio que lhe dá o nome, o Bermaña, por trilhos muito bonitos, ligeiramente a subir, passando depois pelo bem cuidado santuário de Santa Mariña de Carracedo, sem antes termos feito uma pequena paragem num dos “cafés recomendados” em Campo, onde o Alziro não resistiu e, literalmente, engoliu um “bocadillo de jamon serrano” maior que o seu camel-bag! Ainda dizem que eu é que sou o gajo doido por sandochas… este “moço” consegue-me ganhar!

Continuavamos agora pela mesma paisagem de floresta, quase lado a lado com a Autocarretera A9, surgindo pouco depois uma descida daquelas que a malta gosta, que desembocou numa paisagem de floresta extremamente frondosa, verdejante, com um rio a “cantar” lá em baixo - o Valga, com alguns moinhos antigos nas suas margens - muito, muito bonito! Estes trilhos galegos são fabulosos!

Numa ponte de madeira que cruza este rio acabaríamos por encontrar o primeiro dos dispositivos da Proteccion Civil para apoio aos peregrinos, à semelhança do que vemos em Portugal nos caminhos de Fátima - Saia de lá mais um carimbo s.f.f, continuando agora a malta a pedalar por uma zona novamente a subir, cruzando as localidades de San Miguel de Valga, Infesta, San Xulian e Pontecesures.

Atravessada a Ponte sobre o rio Ulla em Pontecesures, aproximávamo-nos agora de Padron, com outro rio a nosso lado, o Sar, bonito e limpinho, cheio de peixes e patos, convidando-nos quase a entrar nas suas águas frias, pois aquela hora, em cima do almoço, já o calor apertava.

Já em Padron, no “Campo da Feria” encontramos um curioso monumento, com umas enormes bolas de granito, lado a lado, que logo alguém imaginou que deviam fazer parte dum incompleto monumento ao símbolo fálico masculino….ehehehhehe! Aquilo é que foi fotografar!

Encontrado o local ideal para o repasto, sempre a cargo dos manos Lozoya - em Roma, sê romano, perdão, em Espanha, sê espanhol! - sentamo-nos numa providencial bancada comensal, estrategicamente colocada à sombra dos enormes plátanos, ali, lado a lado com o Convento del Carmen e bem próximos do albergue, onde o Norberto foi buscar mais dois carimbos.

Como já vinha sendo habitual, a bebida foi escolhida magnanimamente por todos – aquela cerveza com limon passou a fazer parte do meu palato para todo o sempre – levezinha, muito fresca e adocicada fez mesmo a delícia da malta. Quanto aos comes deste dia a coisa foi mais à espanhola, optando a malta por seguir quem destas coisas percebe - claro, os Lozoya Brothers! Empanadas, pulpo à galega, mexillones, bocadillos de jamon serrano e queso e os pimentillos fritos, acalentaram os famintos estômagos, tornando-me a mim num apreciador deste tipo de petiscos….acho que era capaz de me habituar a uma vidinha santa destas! Excelente!

Quem é que agora tem vontade de pedalar? O Óscar manteve-se fiel á sua siesta, desta vez num duro banco de jardim granítico e o Alziro… bem o Alziro encostou-se e quase entrou em transe, com a malta a tentar registar o momento em que ele iria cabecear…

Bem… Santiago estava próximo e estava toda a malta com vontade de lá chegar! A saída de Padron fez-se por caminhos suburbanos, a maioria de alcatrão, sempre com a N550 por perto assim como a linha férrea que atravessamos um pouco depois de chegarmos ao Cemitério de Adina, onde os sepulcros rodeiam a antiga igreja, tudo isto no meio da população. Bonito e distinto ao mesmo tempo. Mesmo à porta do cemitério havia uma fonte e logo aproveitamos para atestar os bidons apesar do sabor estranho da água… teria propriedades superas? O Roberto diz que sim… a mim também me manteve hidratado!

A partir daqui iniciamos um trilho misto, sempre em pendente ascendente, com vários cruzamentos, ora sobre a movimentada N550, ora sobre o rio Tinto que nos a acompanhava lado a lado. Ao longo deste trilho é assinalável o périplo por diversas povoações - Romeris, Rueiro, Cambelas, Tarrio, Vilar… marcadas pelo bom estado de conservação dos seus monumentos e símbolos etnográficos, em que destaco os espigueiros, soberbamente reconstruídos.

Chegávamos agora ao Santuário da Nuestra Señora de la Esclavitud, onde são reconhecidas propriedades milagrosas à fonte do seu adro. A malta foi seguindo o trilho, novamente em pendente ascendente, enquanto eu, o Norberto e o Roberto entravamos à procura de mais um carimbo. Que bonita igreja! E ainda tivemos direito a conhecer a sacristia, onde uma enorme parede estava repleta de pequenos frescos antiquíssimos, pintados por anónimos em agradecimento às inúmeras curas milagrosas atribuídas a esta santa. Lindo, Lindo!

Entravamos agora nos derradeiros quilómetros para chegarmos a Santiago, agora por trilhos entre vinhas, mais milho e muita floresta verdejante, sempre, sempre a subir, até que, logo a seguir a Milladoiro, do alto de uma colina, surge a cidade do Apóstolo em todo o seu esplendor, na sua vertente mais moderna, pois o santuário está do lado de lá, mal se visualizando. E aqui, se havia cansaço ou desmoralização, depressa se dissipou. Estávamos quase lá!

Agora era só descer, passar mais uns becos e singles, subir e entrar definitivamente na cidade, lado a lado com os muitos peregrinos que tal como nós, também eles estavam a chegar e com aquele sorriso nos lábios de missão cumprida, penitência consumada, amizade fortalecida!

Progressivamente lá fomos entrando na cidade, embora com as famosas setas/vieiras amarelas a começarem a rarear até um ponto que deixaram de existir causando alguma confusão, para quem como nós não conhece a cidade, pois nem as placas ajudavam. Em Portugal a coisa estava mais bem marcada!

Mas lá demos com a zona antiga, entrando toda aquela malta, esverdeada, bem engalanada com bandeiras portugueses e dorsais azuis, num aglomerado de fazer virar cabeças, embora fossem mais que muitos os peregrinos por ali caminhavam, emprestando um ar colorido e barulhento aquelas ruas antigas cheias de mística.

Pouco depois, entravamos em grupo na esplendorosa Plaza del Obradoiro, onde a Rita nos esperava, para darmos bem no centro da praça, a Peregrinação BTT@Castelo Branco por concluída, com muitos beijos e abraços, lágrimas, comoção, alegria, vibração e inúmeras outras sensações que aqui não consigo descrever, só similares quando chego a Fátima. Foi bom, muito bom mesmo! E ali deitados no meio da praça conseguimos absorver toda aquela energia positiva transmitida por todo aquele lugar, compreendendo finalmente o porquê das peregrinações, o porquê do sofrimento de tantos milhares de pessoas a caminhar ou a pedalar, o porque de fazer quilómetros e quilómetros, dias e noites para ali chegar. Ali sentimo-nos renovados, plenos de alegria indescritível, plenos da força da vida que Alguém nos concedeu.


Registado o momento em inúmeras fotografias era agora tempo de irmos até ao Oficio do Peregrino, onde nos aguardava uma “colla” para obtermos a famosa Compostela que nos atesta como Peregrinos de corpo e alma, ficando as nossas amadas bikes á sombra, à guarda do amigo AC que entretanto a nós se juntou, orientado-nos posteriormente até aos hotéis onde nos esperava um banhinho retemperador.

À noite seguiu-se mais um jantar de família, hoje aumentada pela presença de alguns familiares meus e do JValente, seguindo depois a malta até às animadas ruas em redor do santuário, onde de modo disperso e cada um à sua maneira deu largas à sua comemoração…. Uma noite animada, que ficará nas memórias de cada um!

Dou quase por finda esta reportagem alusiva a esta extraordinária aventura de um grupo de pessoas que acreditou que era possível e se bem o sonhou, melhor o concretizou. Este grupo BTT@Castelo Branco acho que está de parabéns e que este tipo de aventuras deverá continuar.
Normalmente, nesta “altura do campeonato”, é comum fazerem-se reflexões e considerações… Não o vou fazer. Muito se tem dito e escrito nos nossos normais canais de comunicação, mas pessoalmente acho que as reflexões devem ser retrospectivas, prospectivas e sobretudo pessoais. Ponto final! A vida é mesmo assim, plena de pequenas vitórias, algumas derrotas, encruzilhadas e decisões. Cabe a cada um perante os factos passados retirar as suas próprias lições e usá-las na posteridade. Cabe igualmente a cada um não deixar que uma determinada decisão condicione o seu amanhã, ficando a matutar sobre ela. E cabe a cada um, das experiências passadas, crescer como pessoa, sempre a pensar em termos de futuro, porque o Caminho, lembram-se, tinha sempre setas para a frente!
Fica aqui o agradecimento público, meu e do João Valente, em primeiro lugar a todos os nossos companheiros de aventura: AC, Alziro, Carlos, João, Mário, Norberto, Óscar Paulo, Rita, Roberto e Tê - é um prazer e um privilégio ter-vos como amigos! Agradecemos também a todos os nossos familiares, apoiantes conhecidos e anónimos, assim como as diferentes organizações que de alguma forma connosco colaboraram e apoiaram - a Canyon, AG Motosports, Câmara Municipal Castelo Branco, Benfica de Castelo Branco, Reconquista, Agência Lusa, …
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A todos um sincero OBRIGADO!
Venha a próxima!
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