domingo, 22 de agosto de 2010

4ª Etapa - Pontevedra-Santiago Compostela

Boas a Todos :-)

… E quase sem darmos conta, chegou a última etapa, chegou o dia de irmos ver o Apóstolo, chegou o fim da nossa peregrinação pelo Caminho Português de Santiago! Quem diria que 4 dias passavam assim tão depressa… um ano de planeamento, um ano pleno de esperanças, algumas incertezas, desejos de aventura, vontade de pedalar e anseio de confraternizar ao longo de 4 dias, tinham passado, assim, num ápice… Nem parecia que já estávamos na recta final desta bonita aventura!
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A etapa de hoje, Pontevedra - Santiago de Compostela, marcava a derradeira viagem pelos garbosos caminhos penitentes em busca da Plaza del Obradoiro em Santiago, local místico, de contemplação e oração, ponto de encontro de culturas e credos. E ali estávamos nós, quase, quase, a completar este Caminho Português.

O dia começou cedo no modesto Hostal Peregrino. Como combinado anteriormente hoje efectivamente madrugamos, para que chegássemos cedo a Santiago para termos tempo de sobra para a contemplação e obtenção da famosa Compostela. Às 07h estávamos já todos à mesa para o pequeno-almoço, hoje um pouco mais frugal, pois as acomodações também o eram. Nada que ralasse muito a malta, porque o desejo de fazer e completar o caminho falou sempre mais alto, relegando para segundos planos essas “mariquices”.

Comidos, bebidos e bem vestidos - traje a rigor era hoje obrigatório - leia-se Jersey BTT@Castelo Branco, pois para a visita ao santo queríamos ir todos janotas! Esta malta não faz por menos! Pouco a pouco lá fomos perfilando à porta do Hostal, enquanto se arrastavam as bikes das catacumbas, começando o frenesim matinal de limpar bikes, olear correntes, atestar bidons, encher pneus e um sem número de coisas necessárias para que o percorrer desta última etapa, fosse coroada de sucesso sem avarias ou quedas. E hoje tínhamos uma surpresa! Uma bike lavadinha a contrastar com as nossas empoeiradas “meninas” e um parceiro que no último dia decidiu mostrar toda a sua garra pedalante - o Mário!

A saída fez-se pela Rua da Virxen del Camino (Virgem no Caminho? Outra vez? Onde é que eu já vi isto?) direitos à Capela da Virgen Peregrina, por entre as ruas ainda ensonadas pelo matutino da hora, tanto que chegados à capela, esta ainda estava encerrada. Como o Norberto voltou atrás para ir buscar um “esquecimento” fizemos um compasso de espera na Praça da Peregrina, dando tempo para que a zeladora da igreja chegasse e nos carimbasse as credenciais. E a espera valeu bem a pena! A capela é lindíssima, e o carimbo também, recebendo ainda toda a malta uma imagem com a “oracion” à “La Divina Peregrina”, que acabou por fazer parte integrante das nossas credenciais até ao fim.

Efectuada a foto de grupo do dia, seguimos em direcção à Puente del Burgo, onde cruzamos o Rio Lérez. Seguíamos agora por caminhos suburbanos, a maioria em alcatrão, sempre em ligeira subida e paralelos à linha férrea, ainda bastante à sombra pois o sol ainda mal tinha despontado. Contudo o Caminho estava repleto de caminheiros, que aproveitavam a frescura da manhã para fazer a maior parte do percurso, dando um colorido à paisagem e um som de fundo de algazarra, contrastante com os “silêncios” da Mãe Natureza dos dias anteriores.

Santa Maria de Alba e San Caetano são alguns dos monumentos religiosos que connosco se cruzaram, enquanto entravamos nos primeiros trilhos de terra do dia, por entre um bosque frondoso, onde o caminho estreitava e surgiam muitos e intermitentes regatos de água, óptimos para borrar as nossas “meninas” de lama, sempre, sempre em subida, aqui e ali mais exigente e técnica. Nada que a gente não faça com gosto, sempre com o tal sorriso nos lábios, cada vez que as nossas bikes as transponham com sucesso.

Aqui, eram muitos os caminheiros, de variadas nacionalidades, todos com um “Buen Camino” sempre pronto a saltar dos lábios, cada vez que connosco se cruzavam… éramos todos perfeitos estranhos, mas o objectivo comum une as pessoas, incentiva-nos, faz-nos conviver. Foi bom ver e compartilhar com toda aquela gente, a beleza e mística do Caminho!

Cruzada a linha férrea fizemos um compasso de espera para reunir toda a malta pois a pendente continuava a subir até San Mauro, onde numa zona de descanso, aproveitamos para vitaminar e tomar uma cafezada que o corpinho já pedia.

Em San Mamede de Portela cruzamo-nos com um bonito cruzeiro, enquanto ao longe brilhava San Antonino - Barro, com a N550 a seus pés, plena de movimento automóvel. Por entre caminhos alcatroados versus trilhos por campos de cultivo, chegamos ao primeiro cruzamento com a movimentada N550, na zona de Monllo, onde esperamos pela CDC, pois a Rita decidiu apanhar boleia e fazer companhia ao amigo AC, até Santiago.

Cruzada a perigosa N550, passamos pela Capela de Santa Lucia, passando a malta novamente a pedalar por caminhos agrícolas, entre muita vinha e outras culturas e claro, mais peregrinos a pé, em que um dos quais se evidenciou pela negativa ao derrubar propositadamente as pedrinhas acumuladas num marco, enfurecendo a malta, com o Roberto à cabeça… Que caminheiro mais totó!

Aproximávamo-nos agora de Caldas de Reyes, passando primeiro pelo cruzeiro de Tibo e depois por bonitas paisagens sobranceiras ao Rio Chain, entrando por fim na cidade onde percorremos algumas ruas de traça antiga, visitando o Posto da Guarda Civil (e aquela placa que dizia “Puta do Viño”?!…), a Policia Local, o Ayuntamento e a bonita igreja de Santo Tomas onde recolhemos mais uns quantos carimbos.

A saída de Caldas de Reyes faz-se por um bonito vale rico cheio de vegetação, sempre lado a lado com o rio que lhe dá o nome, o Bermaña, por trilhos muito bonitos, ligeiramente a subir, passando depois pelo bem cuidado santuário de Santa Mariña de Carracedo, sem antes termos feito uma pequena paragem num dos “cafés recomendados” em Campo, onde o Alziro não resistiu e, literalmente, engoliu um “bocadillo de jamon serrano” maior que o seu camel-bag! Ainda dizem que eu é que sou o gajo doido por sandochas… este “moço” consegue-me ganhar!

Continuavamos agora pela mesma paisagem de floresta, quase lado a lado com a Autocarretera A9, surgindo pouco depois uma descida daquelas que a malta gosta, que desembocou numa paisagem de floresta extremamente frondosa, verdejante, com um rio a “cantar” lá em baixo - o Valga, com alguns moinhos antigos nas suas margens - muito, muito bonito! Estes trilhos galegos são fabulosos!

Numa ponte de madeira que cruza este rio acabaríamos por encontrar o primeiro dos dispositivos da Proteccion Civil para apoio aos peregrinos, à semelhança do que vemos em Portugal nos caminhos de Fátima - Saia de lá mais um carimbo s.f.f, continuando agora a malta a pedalar por uma zona novamente a subir, cruzando as localidades de San Miguel de Valga, Infesta, San Xulian e Pontecesures.

Atravessada a Ponte sobre o rio Ulla em Pontecesures, aproximávamo-nos agora de Padron, com outro rio a nosso lado, o Sar, bonito e limpinho, cheio de peixes e patos, convidando-nos quase a entrar nas suas águas frias, pois aquela hora, em cima do almoço, já o calor apertava.

Já em Padron, no “Campo da Feria” encontramos um curioso monumento, com umas enormes bolas de granito, lado a lado, que logo alguém imaginou que deviam fazer parte dum incompleto monumento ao símbolo fálico masculino….ehehehhehe! Aquilo é que foi fotografar!

Encontrado o local ideal para o repasto, sempre a cargo dos manos Lozoya - em Roma, sê romano, perdão, em Espanha, sê espanhol! - sentamo-nos numa providencial bancada comensal, estrategicamente colocada à sombra dos enormes plátanos, ali, lado a lado com o Convento del Carmen e bem próximos do albergue, onde o Norberto foi buscar mais dois carimbos.

Como já vinha sendo habitual, a bebida foi escolhida magnanimamente por todos – aquela cerveza com limon passou a fazer parte do meu palato para todo o sempre – levezinha, muito fresca e adocicada fez mesmo a delícia da malta. Quanto aos comes deste dia a coisa foi mais à espanhola, optando a malta por seguir quem destas coisas percebe - claro, os Lozoya Brothers! Empanadas, pulpo à galega, mexillones, bocadillos de jamon serrano e queso e os pimentillos fritos, acalentaram os famintos estômagos, tornando-me a mim num apreciador deste tipo de petiscos….acho que era capaz de me habituar a uma vidinha santa destas! Excelente!

Quem é que agora tem vontade de pedalar? O Óscar manteve-se fiel á sua siesta, desta vez num duro banco de jardim granítico e o Alziro… bem o Alziro encostou-se e quase entrou em transe, com a malta a tentar registar o momento em que ele iria cabecear…

Bem… Santiago estava próximo e estava toda a malta com vontade de lá chegar! A saída de Padron fez-se por caminhos suburbanos, a maioria de alcatrão, sempre com a N550 por perto assim como a linha férrea que atravessamos um pouco depois de chegarmos ao Cemitério de Adina, onde os sepulcros rodeiam a antiga igreja, tudo isto no meio da população. Bonito e distinto ao mesmo tempo. Mesmo à porta do cemitério havia uma fonte e logo aproveitamos para atestar os bidons apesar do sabor estranho da água… teria propriedades superas? O Roberto diz que sim… a mim também me manteve hidratado!

A partir daqui iniciamos um trilho misto, sempre em pendente ascendente, com vários cruzamentos, ora sobre a movimentada N550, ora sobre o rio Tinto que nos a acompanhava lado a lado. Ao longo deste trilho é assinalável o périplo por diversas povoações - Romeris, Rueiro, Cambelas, Tarrio, Vilar… marcadas pelo bom estado de conservação dos seus monumentos e símbolos etnográficos, em que destaco os espigueiros, soberbamente reconstruídos.

Chegávamos agora ao Santuário da Nuestra Señora de la Esclavitud, onde são reconhecidas propriedades milagrosas à fonte do seu adro. A malta foi seguindo o trilho, novamente em pendente ascendente, enquanto eu, o Norberto e o Roberto entravamos à procura de mais um carimbo. Que bonita igreja! E ainda tivemos direito a conhecer a sacristia, onde uma enorme parede estava repleta de pequenos frescos antiquíssimos, pintados por anónimos em agradecimento às inúmeras curas milagrosas atribuídas a esta santa. Lindo, Lindo!

Entravamos agora nos derradeiros quilómetros para chegarmos a Santiago, agora por trilhos entre vinhas, mais milho e muita floresta verdejante, sempre, sempre a subir, até que, logo a seguir a Milladoiro, do alto de uma colina, surge a cidade do Apóstolo em todo o seu esplendor, na sua vertente mais moderna, pois o santuário está do lado de lá, mal se visualizando. E aqui, se havia cansaço ou desmoralização, depressa se dissipou. Estávamos quase lá!

Agora era só descer, passar mais uns becos e singles, subir e entrar definitivamente na cidade, lado a lado com os muitos peregrinos que tal como nós, também eles estavam a chegar e com aquele sorriso nos lábios de missão cumprida, penitência consumada, amizade fortalecida!

Progressivamente lá fomos entrando na cidade, embora com as famosas setas/vieiras amarelas a começarem a rarear até um ponto que deixaram de existir causando alguma confusão, para quem como nós não conhece a cidade, pois nem as placas ajudavam. Em Portugal a coisa estava mais bem marcada!

Mas lá demos com a zona antiga, entrando toda aquela malta, esverdeada, bem engalanada com bandeiras portugueses e dorsais azuis, num aglomerado de fazer virar cabeças, embora fossem mais que muitos os peregrinos por ali caminhavam, emprestando um ar colorido e barulhento aquelas ruas antigas cheias de mística.

Pouco depois, entravamos em grupo na esplendorosa Plaza del Obradoiro, onde a Rita nos esperava, para darmos bem no centro da praça, a Peregrinação BTT@Castelo Branco por concluída, com muitos beijos e abraços, lágrimas, comoção, alegria, vibração e inúmeras outras sensações que aqui não consigo descrever, só similares quando chego a Fátima. Foi bom, muito bom mesmo! E ali deitados no meio da praça conseguimos absorver toda aquela energia positiva transmitida por todo aquele lugar, compreendendo finalmente o porquê das peregrinações, o porquê do sofrimento de tantos milhares de pessoas a caminhar ou a pedalar, o porque de fazer quilómetros e quilómetros, dias e noites para ali chegar. Ali sentimo-nos renovados, plenos de alegria indescritível, plenos da força da vida que Alguém nos concedeu.


Registado o momento em inúmeras fotografias era agora tempo de irmos até ao Oficio do Peregrino, onde nos aguardava uma “colla” para obtermos a famosa Compostela que nos atesta como Peregrinos de corpo e alma, ficando as nossas amadas bikes á sombra, à guarda do amigo AC que entretanto a nós se juntou, orientado-nos posteriormente até aos hotéis onde nos esperava um banhinho retemperador.

À noite seguiu-se mais um jantar de família, hoje aumentada pela presença de alguns familiares meus e do JValente, seguindo depois a malta até às animadas ruas em redor do santuário, onde de modo disperso e cada um à sua maneira deu largas à sua comemoração…. Uma noite animada, que ficará nas memórias de cada um!

Dou quase por finda esta reportagem alusiva a esta extraordinária aventura de um grupo de pessoas que acreditou que era possível e se bem o sonhou, melhor o concretizou. Este grupo BTT@Castelo Branco acho que está de parabéns e que este tipo de aventuras deverá continuar.

Normalmente, nesta “altura do campeonato”, é comum fazerem-se reflexões e considerações… Não o vou fazer. Muito se tem dito e escrito nos nossos normais canais de comunicação, mas pessoalmente acho que as reflexões devem ser retrospectivas, prospectivas e sobretudo pessoais. Ponto final! A vida é mesmo assim, plena de pequenas vitórias, algumas derrotas, encruzilhadas e decisões. Cabe a cada um perante os factos passados retirar as suas próprias lições e usá-las na posteridade. Cabe igualmente a cada um não deixar que uma determinada decisão condicione o seu amanhã, ficando a matutar sobre ela. E cabe a cada um, das experiências passadas, crescer como pessoa, sempre a pensar em termos de futuro, porque o Caminho, lembram-se, tinha sempre setas para a frente!

Fica aqui o agradecimento público, meu e do João Valente, em primeiro lugar a todos os nossos companheiros de aventura: AC, Alziro, Carlos, João, Mário, Norberto, Óscar Paulo, Rita, Roberto e Tê - é um prazer e um privilégio ter-vos como amigos! Agradecemos também a todos os nossos familiares, apoiantes conhecidos e anónimos, assim como as diferentes organizações que de alguma forma connosco colaboraram e apoiaram - a Canyon, AG Motosports, Câmara Municipal Castelo Branco, Benfica de Castelo Branco, Reconquista, Agência Lusa, …
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A todos um sincero OBRIGADO!
Venha a próxima!
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8 comentários:

  1. Bolas! estou a chorar! chorar de alegria, por vos ter conhecido, por fazer parte dessa família!

    Obrigada também por tudo!

    Um beijo do tamanho do mundo!!!

    P.S. Quando entratem na reforma escrevam livros! Amei as crónicas!

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  2. Rita Katita... obrigado pelos elogios!

    Quando escrevemos... tentámos dar a conhecer também um pouco do que foi a nossa experiência pessoal da aventura... logo é uma partilha! Talvez por ter sido algo que nos tocou enquanto experiência pessoal... tenham saído umas boas reportagens (modestia aparte!)

    Beijocas

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  3. Sim Senhor!!!!!! Nota-se que se esmeraram na última reportagem. Nada que não estejamos habituados.
    Parabens a todos pela aventura, e obrigado pelas reportagens que permitiram, por momentos, pensar que eramos mais um a pedalar e não um simples leitor. O grupo BTT @ Castelo Branco representado ao seu mais alto nível. Um abraço. Fidalgo.

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  4. Fidalgo, obrigado pelos teu comentários!

    Posso dizer-te que o grupo é fantástico, mas mais ficaria com a presença de alguém como tu!

    Não percas a oportunidade de estar presente numa próxima aventura!

    Abraço

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  5. Olá todos, parabéns pela aventura e pelo entusiasmo que nela depositaram, acompanhei toda a vossa alegria na preparação para a realização do vosso sonho e agora acabo de ler a vossa crónica cheia de sentimentos por tudo o que o caminho nos dá...
    ... apesar de ter chegado ja algumas vezes a praça ou em bicicleta ou mesmo a pé não deixei de ficar arrepiado com a vossa descrição.
    Obrigado por partilharem o vosso sonho a vossa aventura a vossa conquista...
    Jorge portulez, peregrino para siempre...

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  6. Obrigado amigos pelos vossos comentários. Os sentimentos aqui transmitidos são como o caminho - verdadeiros, sentidos, memoráveis! Venha a próxima aventura! E juntem-se a nós! Nunca sabemos onde a nossa bike nos pode levar amanhã!...

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Mais uma bela crónica. Representa na perfeição a forma descontraída e unida com que fizemos o Caminho e, apesar de todos termos crenças diferentes, sempre nos mantivemos unidos. Chegar ao fim foi uma vitória, mas chegar sem que nada de mau nos tivesse acontecido foi como ganhar uma batalha.
    Foi um privilégio pedalar com todos vocês.
    Bjs.

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